«A rua principal da pequena aldeia de Escaroupim, no concelho de Salvaterra de Magos, desemboca num grande largo com vista sobre o rio Tejo. Do lado esquerdo uma casa palafítica, pintada de verde-claro, construída por avieiros, mantém-se conservada e decorada e foi transformada em museu para os visitantes conhecerem melhor o modo de vida dos pescadores oriundos de Vieira de Leiria.
É Maria Cacilda Rabita, 71 anos, quem faz as visitas guiadas ao museu da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos há cerca de oito anos. Quem quiser visitar o local tem que ligar para o telefone de casa, que está sempre disponível. Maria Cacilda Rabita faz as visitas sem ganhar um cêntimo. “Faço isto de boa vontade. Estar nesta casa e contar a história dos avieiros é contar também um pouco da minha história”, explica enquanto mostra o museu.
Neta e filha de avieiros, Cacilda Rabita nasceu dentro do barco do pai nas margens do rio Tejo. Cresceu no Escaroupim, sempre vivendo numa casa de madeira, e aos seis anos já construía as redes para pescar no rio. A vida não foi fácil. Aos nove anos foi trabalhar para a monda do arroz para as zonas de Marinhais e Valada (Cartaxo). Trabalhou depois no campo até à idade da reforma, há cerca de seis anos. É a mais velha de oito irmãos e nunca foi à escola. A sua maior mágoa é não saber ler nem escrever. “Chorava sempre que tinha que assinar o recibo do vencimento mensal porque tinha que carimbar o papel com o dedo”, lamenta.
Depois de casar foi viver, pela primeira vez, para uma casa rente ao chão mas não se habituou à casa feita de tijolo e cimento. Quando o seu tio foi morar para a zona do Cartaxo pediu-lhe para ficar a residir na sua barraca, como lhe chama. O marido, que trabalhava em Lisboa, só ia a casa ao fim-de-semana e não sabia das ideias da esposa. “Quando o meu marido chegou e percebeu que eu já tinha voltado a morar numa barraca só me disse que eu não descansava enquanto não me mudasse. Ele preferia viver numa casa com mais conforto mas não me contrariou. Matei o meu desejo”, conta com um sorriso rasgado.
Para ficar com uma casa maior para viver com o marido e os dois filhos que entretanto nasceram, Cacilda Rabita comprou a barraca do irmão quando este resolveu viver em Salvaterra de Magos. Viveu feliz até que a madeira começou a apodrecer e não houve outra solução senão deitar as casas abaixo. “Foi um grande desgosto, um dos dias mais tristes da minha vida mas o restauro das barracas seria muito caro e o mais sensato foi construir uma casa de tijolo para vivermos mais confortáveis”, concorda.
Maria Cacilda divide os seus dias entre os afazeres domésticos, a sua pequena horta e as visitas guiadas ao museu. Apesar de os tempos não estarem fáceis, dona Cacilda garante que não deixa a aldeia do Escaroupim. “Isto é um pequeno paraíso que felizmente ainda não está descoberto”, conclui.
Casa de bonecas em ponto grande
A comparação do museu dos avieiros a uma casa de bonecas em ponto grande é imediata. Todas as casas avieiras são construídas sobre estacas de madeira para evitar as cheias do rio. A casa que serve de museu dos avieiros também foi construída assim, mas devido à degradação que sofria a madeira as estacas foram substituídas por tijolo e cimento.
A entrada para o museu faz-se através de umas escadas. A parte exterior da casa está pintada de verde-claro. Entramos directamente para a sala – a divisão maior da casa – de onde se destaca o azul das paredes. Na sala, que faz a ligação entre a cozinha e os quartos, encontra-se uma balança de pesar a pescaria e as redes com que se apanhavam os peixes.
No chão um ferro para passar roupa a brasas. “Era muito difícil passar a ferro porque tínhamos que colocar muitas brasas e demorava muito tempo a passar uma peça de roupa”. Em frente duas malas de lata, onde se guardava o enxoval, tapadas com cortinas para embelezar o espaço. Ao lado uma bacia onde lavavam as mãos e o rosto. “Para tomarmos banho utilizávamos baldes de barro”, conta Maria Cacilda.
Os quartos são exíguos onde cabe apenas uma cama de ferro e uma pequena mesa-de-cabeceira. Maria Cacilda recorda que o colchão onde dormiam era feito de palha de arroz. Na cozinha destacam-se as mesas e banquinhos baixinhos onde tomavam o pequeno-almoço. Ao lado uma mesa maior onde eram servidas as outras refeições. Cacilda conta que viveu tempos difíceis. “Naquela altura uma sardinha tinha que dar para dois. Quando a família era grande tínhamos uma tigela grande por onde todos comíamos. Se não quiséssemos depois já não havia mais”, recorda.
A um dos cantos da pequena cozinha, também pintada de azul, uma enorme bilha servia para guardar a água-pé. “Ao final do dia quando regressávamos do trabalho roubávamos uvas para fazermos água-pé”, conta.»
Texto in O MIRANTE online, 25-4-2011
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