«O que lhes vou contar sobre estas ruinas não é novo e nem sequer é notícia por já ter sido noticiado, trata-se apenas de uma curiosidade por me fazer relembrar momentos de quando era rapaz de escola. Na foto que escolhi para ilustrar podemos ver as ruinas que pertenceram a um forno de fabricar tijolo, na altura dizia-se de fazer tijolo e que ficou conhecido na Glória pelo forno de tijolo do montóia. Surgiu numa altura em que as paredes das casas desta localidade deixavam de ser construídas em taipa e adobe para se iniciar um novo processo de construção em que se aplicava o tijolo de barro. Eram tempos difíceis, o que nos vem comprovar hoje que as dificuldades não são novas. Olhando para essas ruinas, agora a descoberto, consegui imaginar muitos dos momentos que passei por ali depois da escola, por exemplo, os barrancos com água onde os rapazes mergulhavam e as rãs saltavam para fora juntamente com os "peixes", chamávamos peixes porque viviam na água, mas eram os filhotes das rãs ou sapos que ali viviam na sua fase de vida metamorfótica. Os ditos barrancos eram grandes buracos no chão que ficavam das escavações onde se retirava o barro com que faziam os tijolos. A água era muito suja porque ficava de uns anos para os outros. Apesar de tudo, havia grande preocupação de higiene por parte das nossas mães, todos se queixavam com os ralhos quando chegavam a casa sujos de lama e barro. Os mais crescidos iam refrescar-se a nadar e a mergulhar para os ribeiros mais próximos, tal como fiz mais tarde no ribeiro do Vale Zebro. Perto destas ruinas passa a estrada de asfalto, na altura eram já sinais de modernidade, mas por toda a aldeia da Glória só existiam estradas de terra batida pela passagem dos carros de bois, vacas e carroças. Lembro-me de ter insistido muito para trabalhar nesse forno de tijolo, sobre isso falei várias vezes com as pessoas que operavam uma máquina de compactar o barro e onde se misturava, umedecia e se encaminhava para uma passagem estreita, em forma de tijolo, onde era cortado por uma peça que passava de um lado para o outro e era composta por um fio de arame fino que fazia o corte para separar os ditos tijolos ainda crus. A azáfama em volta deste fornos de tijolo era grande, via-se muitos carros de vacas e pessoas no meio das pilhas de tijolos que ocupavam todo o espaço que hoje está a ficar num lindo jardim. O mais curioso é que eu lembro-me de trabalhar lá dentro e com um carro de mão, da altura, com o qual carregava tijolos para locais onde ficavam a secar para serem depois introduzidos nos fornos a cozer. Engraçado, eu vou escrevendo isto e reavivando a minha memória, havia um rapaz que trabalhava lá e que andava comigo na escola, morava em Marinhais, perto da passagem de nível, e outro que era da Atalaia (Montijo). Discutiam muito os dois, eram mais velhos do que eu 2 anos, mas eu só ouvia, não podia intervir nem falar com eles nessa espécie de brincadeira que eu hoje acho ter sido uma aprendizagem de adolescência rápida e forçada, fosse lá o que fosse havia mutuo respeito, na altura respeitávamos muito as pessoas mais velhas, mesmo que só tivessem mais 1 ou 2 anos. O desejo que eu sentia em trabalhar naquele forno de tijolo ainda me impressiona hoje, mas talvez seja igual ao desejo de um miúdo de agora quando diz que quer ser piloto de aviões, astronauta, etc. Os desejos serão sempre iguais, queremos sempre o que não temos ou sentimos dificuldade em vir a ter. Não sabia o que eram astronautas nem pilotos de aviões, talvez por isso eu desejava tanto trabalhar no forno de tijolo do "montóia"»
Imagem e texto de Celestino Silva in Facebook de Dora Monteiro
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