«A agricultura e a pastorícia foram no passado as duas grandes formas de subsistência da Glória do Ribatejo. Em finais do séc. XIX inícios do séc. XX, efectuaram-se os aforamentos organizados pela Junta de Paróquia de Muge, e nos quais muitos glorianos adquiriram parcelas de terrenos, conseguindo desta forma terra para desenvolverem uma pequena agricultura de subsistência, essencial para a sobrevivência do seu dia-a-dia.
Numa sociedade profundamente rural, onde a mecanização ainda não tinha chegado aos campos, os trabalhos agrícolas eram realizados pela força animal. Os cingeleiros, assim designados por possuírem uma junta de bois e o respectivo carro, que os auxiliava não só na lavoura da terra, mas também no transporte de mercadorias. Há relatos de cingeleiros glorianos que iam buscar cortiça ao Alentejo, e que depois a descarregava no Cais da Vala de Salvaterra de Magos e daqui seguiam em varinos ou botes até à fábrica da Mundet no Seixal.
Em meados da década de ’80, com o acentuado desaparecimento dos cingeleiros e dos seus carros de bois, continuava-se a praticar uma agricultura exercida pela força animal: muares e asininos ajudavam nos mais diversos trabalhos agrícolas.
Num espaço temporal não muito distante, encontrávamos sistematicamente inúmeras carroças em direcção ao “foro” (deturpação do termo aforamento), hoje em dia já não é assim muito usual ver ou encontrar na charneca da Glória do Ribatejo carroças.
A Associação para a Defesa do Património Etnográfico e Cultural da Glória do Ribatejo, ciente da perda deste património, decidiu fazer a sua exposição anual temática dedicada precisamente às últimas carroças que ainda hoje estão em actividade na Glória do Ribatejo.
Rodando pacientemente pelos campos, os animais pareciam conhecer de cor o caminho para levar os seus donos às fazendas. Chegados ao local, seguia-se o ritual de desengatar o animal e deixa-lo “espojar” ou seja deixar o animal rebolar no chão, descarregava-se a carroça, preparava-se a charrua e iniciava-se a lavra ou gradar da terra.
Os animais eram guardados num palheiro, a sua frente estava a manjedoura, por parte dos donos dos animais havia sempre um especial cuidado com o animal, alguns eram baptizados de Gabriela ou Tiéta (influência das telenovelas brasileiras). A partir de Março, começavam a chegar alguns ciganos à Glória do Ribatejo, que tosquiavam os animais. Outro cuidado a ter era com os cascos dos bichos, o Ti Joaquim “Ferrador” tratava desta função, colocando novas ferraduras.
Há prodigiosas histórias envolvendo os animais e os seus proprietários, como era o caso dos animais que vinham sozinhos a puxar a carroça até casa, porque o seu dono estava alegremente alterado pelo consumo do vinho e dormia na carroça, contudo o animal sabia da sua função e pachorrentamente seguia o seu caminho sem indicações do seu dono até chegar a casa, ou aquela história de animais pararem em frente às tabernas sem que o seu dono fizesse alguma indicação, pois já era uma praxe interiorizado pelo animais, há alias animais que conheciam todas as tabernas porque paravam em todas.
Recordemos também com saudade as célebres verdascadas com um “fueiro” do Ti Zé da Vala ao seu burro, sempre que este não queria andar, ou ainda o Ti Silvestre “Quarta-Feira” e o seu burro de nome “Jorge”, que acompanhou um sem número de desfiles de carnaval.
Perdida a funcionalidade da carroça em detrimento do tractor que surge timidamente em meados década de 80, e que se afirma pujantemente na década de 90 e no inicio do século. Com o desaparecimento destes veículos de tracção animal, extinguem-se também vocábulos próprios e expressões, como por exemplo: - pôr o cabresto e engatar á carroça; - dar água ao animal, não te esqueças de assobiar para que ela bebe a água toda - espojar o animal; - pró rêgo macho, atão não querem lá ver o bicho….
Um dia os animais vencidos pela idade, são fechados no palheiro à espera que chegue uma camioneta que o leva, segundo se dizia era para dar de comer aos animais do Jardim Zoológico, este era um dia difícil de esconder sentimentos…
O palheiro abandonado dá lugar a um espaço para arrumos, e a carroça debaixo de algum telheiro apodrece lentamente corroída pelas amarguras do tempo.
A exposição “As últimas carroças da Glória do Ribatejo”, pretende assegurar às gerações futuras (que certamente não deverá conhecer nos campos uma carroça) um acervo documental composto por objectos, videos fotografias e “histórias de vida” (testemunhos próprios), por forma a conhecer esta vertente histórica e antropológica da Glória do Ribatejo, pois vivemos numa época em que a sociedade se torna cada vez mais global, quer nos aspectos culturais, económicos, sociais e até mesmo políticos, por isso torna-se premente que a nossa identidade cultural não se perca.»
Brasão da Glória do Ribatejo in Google